quarta-feira, 25 de setembro de 2013


São Paulo - Polissemia

        Amanhece.
       Acordo cedo e saio, encontro o Sol subindo a Angélica e seguimos juntos em direção à Paulista. Ainda sonâmbulos, passamos pela feira, que amanheceu antes, inaugurando o barulho do dia.  Trocamos amenidades. Peço-lhe, como sempre, que caminhe devagar. Mas ele não me dá ouvidos e nem altera os passos. Resmunga algo sobre as Nuvens. Faço uma expressão de quem ouve, mas os meus pensamentos estão distantes e dispersos numa reunião que terei logo mais.
        Sim! É verdade! Converso com o Sol. E quando ele falta ou no dia que estou muito triste, as Calçadas são as minhas confidentes. Por vezes conversamos os três. Com as Nuvens nunca falo, pois nisso ele tem razão, quando me diz brincando: - São como as mulheres, muito instáveis! Por sorte, nessa cidade, não há mais nada que seja considerando estranho. Assim, posso cultivar esse meu hábito com naturalidade.
        Em frente ao Conjunto Nacional, nos despedimos, entro para o trabalho e ele segue cumprindo o dele. Ouço no saguão de elevadores o meu primeiro Bom Dia, é Rocha, o zelador, que preserva os costume de distribuir bons dias, sendo um dos poucos que ainda diz isso com um sorriso largo e caloroso, e não por dever de ofício ou para vender rifas.
        A reunião começa: números, datas, prazos, ajustes de cronograma, cifras, estratégias, um desfile interminável de palavras técnicas. Rápido chega a hora do almoço e descemos todos: mastigo e engulo sem ter fome. Na volta para o trabalho, eu, tolo, que já estava ficando triste, fico feliz ao receber a notícia que adiaram a reunião para a próxima semana e, assim, poderei retornar ao Meu Canto. Este é o nome que dei à minha sala: Meu Canto. Creio que não exista palavra mais doce que essa, que pode significar um ninho ou uma conversa de passarinho. - Desculpe-me! Divago!
      Começo a organização dos compromissos espalhados sobre a mesa e, quando dou por mim, o Sol já cruzou a cidade e o meu dia desapareceu entre duplicatas, telefonemas e obrigações de agenda.
       Na saída do trabalho vejo que o Sol já se deitou no planalto e que a Lua, essa noite, não veio ao meu encontro. Por isso, desço sozinho a Consolação em direção ao Centro.
       No final dos dias, habitualmente, minha casa fica mais distante, me perco no caminho e vou escrevendo, entre passos e e pensamentos, algumas linhas:

                Lâmpadas amanhecem a noite paulistana
                     azulejando o céu e esmaecendo as estrelas
                     dessa via urbana
                Um vento fresco sopra por frestas
                     a flora que resta
                     entre os edifícios: precipícios artificiais
                Com a cumplicidade de outdoors, que me sorriem
                      mergulho em ruas sombrias e busco
                      os caminhos de Mário, por essa Panaceia Desvairada...

      Pedestres passam por mim com pressa e o meu pensamento se perde em cada rosto, em cada olhar.
      Todos carregam dentro de si um mundo diferente deste que vejo. Tento enxergar aqueles mundos, mas não consigo e sigo com os meus passos:

               Som sombrio de sirene soa e ecoa pelo Vale do Anhangabaú
                     afligindo o espirito do poeta que prega Sermões sobre o Viaduto do Chá
               Veloz cidade em que vivo, penso em harmonizá-la
                     mas, queixam-se os comerciantes, debatem-se os meliantes
                     e, na esquina, me esquivo.

      A Barra é funda e a Lopes Chaves longe. Desisto do meu intento, outro dia irei à casa de Mário.
      Paro e acaricio com o olhar, a pele árida e áspera da cidade que escolhi para habitar. Tento extrair do armado concreto, algo lúdico, algo poético, como fez Lina, quando arrancou do papel e perpetuou flutuando no ar, o prédio do MASP.
       No entanto, nem todos os meus dias são assim. Tem dias que fico cego, surdo, mudo e paralítico, apesar de andar. E, involuntariamente, desprezo o Diálogo mudo e enigmático de Weissmann, os castos corpos nus de Brecheret e toda e qualquer outra forma de poesia. Nessas ruas, nem sempre é possível ver com o coração. Há uma realidade diferente em cada esquina. O sono se confunde com a vigília, os sonhos se misturam com os pesadelos, o falso se faz de verdadeiro e o verdadeiro... Ah, o verdadeiro! Nem mesmo Deus sabe onde ele se esconde.
       Enfim, os significados são muitos e as possibilidade infinitas. Os meus sentidos são somente cinco e mal consigo distinguir o velho do novo.
       Sinto me embriagado por essa CIDADE com mania de grandeza e nome de Estado.
       De repente, vejo Oswald de Andrade e Tom Zé saindo abraços de dentro de uma igreja evangélica, sorridentes e cantando alto:

               Aleluia! Aleluia... Tupy! No more tupy! That is the answear... Aleluia!
               São... São Paulo, meu amor... São... São Paulo, meu jardim sem flor....

      Queria poder contemplar essa cena imaginária. Mas, a essa hora, nesse lugar, é perigoso parar.
      Crianças brincam numa roda de crack.
      Sigo e sou devorado pela multidão.
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